Para compreender que a paixão, morte e ressurreição de Cristo constituem o acontecimento mais importante da história, é necessário compreender o significado espiritual da Escritura, considera o pregador do Papa.
O sentido espiritual ou alegórico das narrações do Novo Testamento sobre esses momentos da vida de Jesus, coração da fé dos cristãos, converteu-se no tema da meditação que o padre Raniero Cantalamessa dirigiu esta sexta-feira ao Papa e a seus colaboradores da Cúria Romana.
O frade capuchinho, depois de ter explicado em uma meditação precedente o sentido histórico destas narrações, enfrentou na capela "Redemptoris Mater" o sentido tecnicamente "alegórico" das Escrituras, ou seja, "o que há que se crer" ao lê-las.
Isto se mostra com clareza, reconheceu, nestas fórmulas: "morreu por nosso pecado; ressuscitou por nossa justifição". ""Morreu", "ressuscitou", "por nossa justificação", são afirmações históricas, mas de fé, indicam o sentido místico dos fatos".
"Pensando bem, este é precisamente o significado de fé que faz que a morte e a ressurreição de Cristo sejam acontecimentos "históricos", se por "histórico" não só nos referimos ao fato desnudo, mas ao fato e a seu significado", declarou.
"Neste sentido, a morte e ressurreição de Cristo são o fato mais "histórico" da história do mundo, pois é o que mais incidiu no destino da humanidade. Também nestes dias estamos vendo como tudo o que afeta este acontecimento tem o poder de agitar as consciências e de suscitar reações", sublinhou.
O padre Cantalamessa considera que quem melhor explicou o "significado para a fé do acontecimento da Páscoa de Cristo é o apóstolo Paulo", no qual sublinha "dois elementos": "um aspecto negativo, que consiste na eliminação do pecado, ou justificação do ímpio; e um aspecto positivo, que consiste no dom do Espírito e da vida nova".
Após a Reforma protestante, acrescentou o pregador, as polêmicas teológicas fizeram que destes dois elementos se sublinhasse "quase exclusivamente o negativo, o da eliminação do pecado".
"Mas, na realidade, para Paulo, dos dois aspectos da salvação --a justificação do ímpio e o dom do Espírito-- o segundo é o mais importante. Fala dele em todas suas cartas, enquanto que da justificação pela fé só o faz nas cartas nas quais tem que defender sua própria missão com os gentis".
"A justificação do ímpio e a remissão dos pecados para Paulo não são mais que a condição para receber o dom mais belo e completo da Páscoa de Cristo, ou seja, seu Espírito", indicou o religioso.
"Muitos estão convencidos de que o nascimento e o desenvolvimento arrasador do movimento pentecostal e carismático dentro das diferentes Igrejas cristãs explica-se em parte como reação a uma insistência demasiadamente unilateral no problema da justificação pela fé que deixou na sombra a doutrina e a experiência do Espírito".
Por este motivo, a renovação carismática, acrescentou, "constitui hoje segundo as estatísticas, o segmento de maior crescimento do cristianismo" ("the fastest growing segment of Christianity").
Esta visão "poderia ajudar a encontrar finalmente a solução a problemas que se arrastam há séculos e sobre os quais nem sequer conseguiu encontrar pleno acordo a Declaração conjunta da Igreja Católica e da Federação Luterana", sobre a doutrina da justificação (firmada em Augsburg, em 1999).
"Na teologia e espiritualidade do movimento pentecostal, a justificação pela fé não é vista como um elemento exterior de justiça que deixa o crente como era antes", pelo contrário, compreende-se que "o Espírito Santo transforma verdadeiramente a pessoa, dando-lhe um coração novo e habitando nela".
"Seria muito triste que tudo isto ficasse confinado dentro de um só movimento eclesial e não contagiasse, como conseqüência, na substância e nas formas, a toda a Igreja, como "corrente de graça" fecunda".
Agora, disse antes de concluir o pregador, não é suficiente determinar o significado de fé contido na Páscoa --a libertação do pecado e o dom do Espírito--, "é necessário preocupar-se também da intensidade com que se crê".
"Falamos desta fé existencial. O que podemos fazer para reforçá-la, para fazê-la crescer, se é fundamentalmente um dom de Deus, não um fruto de nossa vontade? ", perguntou ao Papa e a seus colaboradores.
"Temos de começar revitalizando a capacidade de maravilhar-se ante ela. Há um canto em que se diz: "Mas eu estou rezando, posso rezar!", como se desse conta com surpresa que se está fazendo algo que acreditava impossível, como se dissesse: "estou voando"".
Temos de fazer o mesmo com a fé --concluiu--: tomar consciência do dom imenso, do privilégio incrível que é o poder crer, maravilhar-se e não deixar de dar graças a Deus Pai por isso. Exclamar, maravilhados, como o cego de nascimento curado por Jesus: "Vejo, vejo!"".
CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 26 de março de 2004
Padre Cantalamessa responde na meditação dirigida esta sexta-feira ao Papa
Fonte: Shalom